quinta-feira, 3 de maio de 2012

Aldeia Contemporânea - As Cidades do Século 21

A Revolução Tecnológica, Econômica e Cultural - ainda pretendo escrever sobre ela - já em curso está determinando os moldes de uma nova sociedade, uma nova forma de relacionar-se com o mundo e o meio ambiente. O que há de determinar também um novo tipo de habitat humano para abrigar essa sociedade. Parece certo que as pessoas viverão quase todas em cidades - mais do que hoje -, mas não são as cidades atuais do mundo o habitat adequado à sociedade do século 21.
A palavra-chave é sustentabilidade, conceito já gasto embora pouco praticado, mas o que vem a ser isso?
O primeiro passo é a autonomia política. Cada comunidade deve ser capaz de tratar seus próprios problemas de sua própria maneira, segundo seus próprios valores e suas próprias condições ambientais.


(Para entender melhor minha idéia sobre o papel das cidades, recomendo o artigo anterior. Para os que já são leitores do blog ou não se importam tanto assim com minhas idéias, segue daí!)



Antes de tudo o mais, diga-se que a autonomia local não tem qualquer conflito com a integração global. Na verdade, é quase um pré-requisito para que essa globalização seja minimamente harmônica e respeitosa da diversidade e dos interesses sociais. Não há qualquer dualidade entre o local e o global, mas sim a coexistência complementar e independente. E será essa independência que permitirá às cidades desenvolver as mudanças tão necessárias no futuro próximo.

Uma das primeiras e mais visíveis mudanças das cidades do século 21 será a mobilidade urbana, que está diretamente ligada ao convívio social. Ao longo do século passado, as grandes cidades correram na direção do individualismo: primeiro com o deslocamento preferencialmente por automóveis – e preferencialmente cada um no seu; depois com a própria eliminação da necessidade de deslocamento, trazendo a vida social para dentro de casa, do condomínio fechado ou para a tela do computador – o que alguém batizou nos anos 90 de vida no casulo.
Atualmente, vê-se uma tendência em reocupar os espaços, restabelecer o convívio humano direto, atravessar os muros dos condomínios e ganhar as ruas. Hoje, prefere-se eliminar o deslocamento burocrático – trabalho, acesso a serviços, obrigações civis – mas preservar a mobilidade voltada a atividades culturais e de lazer. Ao automóvel, meio de transporte individual por excelência, sobrevirão os transportes de massa, de preferência os mais eficientes como o metrô ou o VLT, combinados a meios complementares como a bicicleta ou as próprias pernas.
Não se trata apenas de coletivizar o espaço, mas principalmente de viabilizar a mobilidade de muitas pessoas para muitos espaços, sem ocupar esses espaços com automóveis (mero meio de transporte) e sim com pessoas (sua própria finalidade).
De fato, o automóvel sobrevive hoje no meio urbano, roubando a atenção que seria devida a meios de transporte mais eficientes, por uma necessidade de mercado, de consumo. E é essa mesma necessidade que financia a propaganda para convencer as pessoas da necessidade e da máxima realização de ser ter um carro – apesar da chocante ineficiência do carro como aquilo que, em essência, ele é: não um instrumento de realização ou de status, mas um meio de transporte urbano.

Aliás, a questão da eficiência não diz respeito apenas à mobilidade urbana. Eficiência em serviços será outra característica marcante das cidades do século 21. Uma cidade, em sua complexidade de atividades, requer uma série de serviços em constante funcionamento. Hoje, mais uma vez por uma necessidade de mercado, esses serviços são pautados pela ineficiência. No nível em que ocorre, só pode ser proposital e planejada. Imagino que gere emprego e oportunidades de negócio. Basta ver qualquer área de suporte a clientes de uma grande companhia. Bem, isso não é mais aceitável, se é que já foi algum dia.
Assim como no transporte, energia, água e comunicações requerem soluções de eficiência, ainda que isso elimine empregos e negócios – na verdade, é até melhor que não sejam negócios. A cidade do século 21 será auto-suficiente em energia limpa, terá acesso gratuito e irrestrito às redes de telecomunicação e oferecerá transporte gratuito e de qualidade. Conjugo no futuro, mas todos esses exemplos já existem. Quem não acreditar em mim pode perguntar pro google. Não tenho dúvida de que também se chegará a um sistema de auto-suficiência em tratamento de água, talvez nos moldes dos jardins filtrantes, já em desenvolvimento na Europa.

Cidades tão eficientes e auto-suficientes não poderão depender nem da autoridade pública – que não consegue ser altamente eficiente – nem da iniciativa privada – que não quer ser altamente eficiente. Compete às comunidades do século 21 assumir a autoridade local e, ao mesmo tempo, determinar e executar as providências necessárias a seu meio urbano. Já está em fase de disseminação a prática intitulada “do it yourself” (faça você mesmo, ou simplesmente DIY na abreviação em inglês). Significa exatamente o que diz: se você quer, faça. É auto-explicativo.
Um típico governo local é capaz de levar anos estudando e elaborando projetos para demarcar uma simples ciclofaixa em uma avenida. Um grupo de pessoas com um pouco de motivação, tinta e, de preferência, algum discernimento o fará em uma noite. Existem exemplos concretos de DIY, inclusive no Brasil, em limpeza de praças, manutenção de parques, restauração de patrimônio histórico e realização de eventos culturais em espaço público. Não há qualquer impedimento técnico para que se faça o mesmo com equipes de saúde da família, escolas comunitárias ou até sistemas de engenharia de tráfego.
Claro que há um risco de conflito de interesses. Uma minoria é capaz de executar uma intervenção por conta própria se não quiser respeitar a vontade da maioria, e qualquer intervenção que seja desfeita e refeita conforme grupos distintos entrem em disputa significa uma grave perda de eficiência na vida da cidade. Mas, desde que haja o convívio social irrestrito, o bom uso das ferramentas sociais e o respeito a um certo grau de autonomia para cada bairro ou vizinhança, a tendência natural é de que cada comunidade desenvolva rapidamente técnicas de debate e de construção de consenso.

Considerando-se a realidade aqui proposta, de cidades com acesso praticamente irrestrito a todos os serviços essenciais e comunidades com alto grau de autonomia para intervir em seu próprio meio físico, uma das conseqüências mais significativas será a inclusão social das populações marginalizadas, o que por si só reduz drasticamente grandes problemas urbanos atuais, como a violência, o subemprego e os bolsões de miséria.

Talvez muitas cidades no mundo passem todo o século 21 tentando em vão tornarem-se cidades do século 21, mas não há um caminho correto pré-definido, cada uma poderá encontrar um caminho diferente e igualmente bom. O certo é que isso dependerá principalmente da capacidade de cada comunidade em assumir e construir seu próprio destino.

Sugestões de tags para o google: “jardins filtrantes”, “do it yourself”, transporte+VLT, “energia limpa”, “cidades auto-suficientes”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário