A palavra-chave é sustentabilidade, conceito já gasto embora pouco praticado, mas o que vem a ser isso?
O primeiro passo é a autonomia política. Cada comunidade deve ser capaz de tratar seus próprios problemas de sua própria maneira, segundo seus próprios valores e suas próprias condições ambientais.
(Para entender melhor minha idéia sobre o papel das cidades, recomendo o artigo anterior. Para os que já são leitores do blog ou não se importam tanto assim com minhas idéias, segue daí!)
Antes de tudo o mais, diga-se que a autonomia local não tem
qualquer conflito com a integração global. Na verdade, é quase um pré-requisito
para que essa globalização seja minimamente harmônica e respeitosa da
diversidade e dos interesses sociais. Não há qualquer dualidade entre o local e
o global, mas sim a coexistência complementar e independente. E será essa independência que permitirá às cidades desenvolver as mudanças tão necessárias no futuro próximo.
Uma das primeiras e mais visíveis mudanças das cidades do
século 21 será a mobilidade urbana, que está diretamente ligada ao convívio social. Ao longo do século passado, as grandes
cidades correram na direção do individualismo: primeiro com o deslocamento
preferencialmente por automóveis – e preferencialmente cada um no seu; depois
com a própria eliminação da necessidade de deslocamento, trazendo a vida social
para dentro de casa, do condomínio fechado ou para a tela do computador – o que
alguém batizou nos anos 90 de vida no casulo.
Atualmente, vê-se uma tendência em reocupar os espaços,
restabelecer o convívio humano direto, atravessar os muros dos condomínios e
ganhar as ruas. Hoje, prefere-se eliminar o deslocamento burocrático –
trabalho, acesso a serviços, obrigações civis – mas preservar a mobilidade voltada
a atividades culturais e de lazer. Ao automóvel, meio de transporte individual
por excelência, sobrevirão os transportes de massa, de preferência os mais
eficientes como o metrô ou o VLT, combinados a meios complementares como a
bicicleta ou as próprias pernas.
Não se trata apenas de coletivizar o espaço, mas
principalmente de viabilizar a mobilidade de muitas pessoas para muitos
espaços, sem ocupar esses espaços com automóveis (mero meio de transporte) e
sim com pessoas (sua própria finalidade).
De fato, o automóvel sobrevive hoje no meio urbano, roubando
a atenção que seria devida a meios de transporte mais eficientes, por uma
necessidade de mercado, de consumo. E é essa mesma necessidade que financia a
propaganda para convencer as pessoas da necessidade e da máxima realização de
ser ter um carro – apesar da chocante ineficiência do carro como aquilo que, em
essência, ele é: não um instrumento de realização ou de status, mas um meio de
transporte urbano.
Aliás, a questão da eficiência não diz respeito
apenas à
mobilidade urbana. Eficiência em serviços será outra característica
marcante
das cidades do século 21. Uma cidade, em sua complexidade de atividades,
requer
uma série de serviços em constante funcionamento. Hoje, mais uma vez por
uma
necessidade de mercado, esses serviços são pautados pela ineficiência.
No nível
em que ocorre, só pode ser proposital e planejada. Imagino que gere
emprego e
oportunidades de negócio. Basta ver qualquer área de suporte a clientes
de uma grande companhia. Bem, isso não é mais aceitável, se é que já foi
algum
dia.
Assim como no transporte, energia, água e comunicações requerem
soluções de
eficiência, ainda que isso elimine empregos e negócios – na verdade, é
até
melhor que não sejam negócios. A cidade do século 21 será
auto-suficiente em
energia limpa, terá acesso gratuito e irrestrito às redes de
telecomunicação e
oferecerá transporte gratuito e de qualidade. Conjugo no futuro, mas
todos
esses exemplos já existem. Quem não acreditar em mim pode perguntar pro
google.
Não tenho dúvida de que também se chegará a um sistema de
auto-suficiência em
tratamento de água, talvez nos moldes dos jardins filtrantes, já em
desenvolvimento na Europa.
Cidades tão eficientes e auto-suficientes não poderão depender
nem da autoridade pública – que não consegue ser altamente eficiente – nem da
iniciativa privada – que não quer ser altamente eficiente. Compete às
comunidades do século 21 assumir a autoridade local e, ao mesmo tempo,
determinar e executar as providências necessárias a seu meio urbano. Já está em
fase de disseminação a prática intitulada “do it yourself” (faça você mesmo, ou
simplesmente DIY na abreviação em inglês). Significa exatamente o que diz: se
você quer, faça. É auto-explicativo.
Um típico governo local é capaz de levar
anos estudando e elaborando projetos para demarcar uma simples ciclofaixa em
uma avenida. Um grupo de pessoas com um pouco de motivação, tinta e, de
preferência, algum discernimento o fará em uma noite. Existem exemplos concretos
de DIY, inclusive no Brasil, em limpeza de praças, manutenção de parques,
restauração de patrimônio histórico e realização de eventos culturais em espaço
público. Não há qualquer impedimento técnico para que se faça o mesmo com
equipes de saúde da família, escolas comunitárias ou até sistemas de engenharia
de tráfego.
Claro que há um risco de conflito de interesses. Uma minoria
é capaz de executar uma intervenção por conta própria se não quiser respeitar a
vontade da maioria, e qualquer intervenção que seja desfeita e refeita conforme
grupos distintos entrem em disputa significa uma grave perda de eficiência na
vida da cidade. Mas, desde que haja o convívio social irrestrito, o bom uso das
ferramentas sociais e o respeito a um certo grau de autonomia para cada bairro
ou vizinhança, a tendência natural é de que cada comunidade desenvolva
rapidamente técnicas de debate e de construção de consenso.
Considerando-se a realidade aqui proposta, de cidades com
acesso praticamente irrestrito a todos os serviços essenciais e comunidades com
alto grau de autonomia para intervir em seu próprio meio físico, uma das
conseqüências mais significativas será a inclusão social das populações
marginalizadas, o que por si só reduz drasticamente grandes problemas urbanos
atuais, como a violência, o subemprego e os bolsões de miséria.
Talvez muitas cidades no mundo passem todo o século 21
tentando em vão tornarem-se cidades do século 21, mas não há um caminho correto
pré-definido, cada uma poderá encontrar um caminho diferente e igualmente bom.
O certo é que isso dependerá principalmente da capacidade de cada comunidade em
assumir e construir seu próprio destino.
Sugestões de tags para o google: “jardins filtrantes”, “do
it yourself”, transporte+VLT, “energia limpa”, “cidades auto-suficientes”.
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