quinta-feira, 28 de junho de 2012

Tempo de Semear: O Exemplo dos Pequenos


Recentemente, vimos as grandes burocracias do mundo reunirem-se na Rio+20 e baterem suas cabeças por dias para produzir um inócuo documento que já nasce com 20 anos de atraso. E isso em uma época em que multiplicam-se os exemplos de ações espontâneas de pequenos grupos no mundo todo que, dentro das possibilidade de cada grupo ou comunidade, contribuem para melhorias efetivas nas condições sócio-ambientais dessas comunidades. O que as grandes burocracias mundiais não conseguem sequer colocar no papel, pequenos grupos auto-organizados vêm praticando com cada vez mais desenvoltura. O paradigma das organizações é que os grandes já não podem competir com os pequenos.

Outro exemplo bem recente e significativo vem da Europa, mais especificamente da Grécia em crise. Com sua economia nacional afundada e o cenário político descendo no vácuo, a Grécia não encontra em seus órgãos estatais, partidos ou corporações qualquer resposta útil para sair de sua sinuca. Ao mesmo tempo, surgem do interior de sua sociedade exemplos de pura criatividade e inteligência colaborativa. Como no caso da cidade de Volos, que instituiu uma moeda própria para reativar a economia local independente do Euro; ou o caso dos pequenos produtores rurais, que começaram a organizar-se em redes com seus consumidores, eliminando a intermediação e custos logísticos, reduzindo sensivelmente o valor final dos produtos.

Grandes instituições encontram-se emaranhadas em normas, regulamentos, políticas, as linhas de comunicação são restritas e os interesses são difusos. A burocracia intrínseca a uma instituição não é tão nociva a seu funcionamento quanto a degradação de seus interesses. À medida em que se institucionaliza, ela se distancia de seus objetivos mais diretos em favor de objetivos políticos, que são essencialmente desvios de finalidade em qualquer problema concreto.

É exatamente o caso da diplomacia internacional, seja na Rio+20 ou na ONU. Há muitos interesses a serem resguardados, outros que não devem ser melindrados, e uma simples carta de intenções ou coisa que o valha acaba sendo um exercício de palavras vazias. Bastante efetivo, não? Tendemos a criticar o Estado como a típica organização burocrática e ineficiente, mas grandes organizações em geral são assim quando tratam de interesses mais coletivos, de retorno difuso.

Já os pequenos grupos, geralmente horizontais e auto-organizados, são o que há de melhor em termos de organização ágil e efetiva. Utilizando-se das ferramentas de mídia e do amplo acesso a informação e conhecimento, rapidamente identificam problemas, necessidades, possíveis soluções e estratégias. Identificado o interesse comum, reúnem os recursos possíveis - essencialmente humanos, além do conhecimento aplicado e da energia colaborativa - e arregaçam as mangas. De um dia para o outro se realiza uma intervenção urbana, uma ação de recuperação ambiental ou um projeto de economia solidária. Ações reais, de resultados concretos, tão próximas quanto possível da realidade e das necessidades de cada local.

Em termos globais, cada ação local é quase nula, sim. Um mutirão de limpeza em uma praça não torna o mundo mais limpo. Um projeto de economia solidária em uma comunidade isolada não torna o mundo menos pobre. É o grão de areia no deserto, a gota d'água no incêndio. Mas as pequenas ações não valem por seu resultado imediato. Elas valem pelo poder de seu exemplo. E isso tem valor inestimável na sociedade atual, carente de bons exemplos, respostas, soluções concretas. Cada ação que se realiza semeia uma idéia, um valor, atitudes, demonstra às pessoas a capacidade que está nelas mesmas para tomar iniciativas e resolver problemas, prova que é possível não depender das burocracias globais para resolver as questões sociais e que a viabilidade de ações auto-organizadas vem do grau de adesão e comprometimento dos indivíduos.

Semear é algo poderoso. Considerando as facilidades contemporâneas de comunicação e interação social, o potencial de multiplicação é incalculável. As redes sociais não podem mudar o mundo, mas as ações que se realizam e se disseminam através delas podem, e já estão fazendo isso. Limpar uma praça ou o mundo todo é apenas uma questão de escala, de quantos indivíduos se envolvem na solução do problema. Multiplicando-se, grãos de areia se transformam em tempestade e gotas d'água se transformam em enxurrada. Palavras ao vento jamais atravessarão o jogo de cena da política global, mas os grãos de areia das pequenas ações percorrem o mundo e semeiam idéias que seguem se multiplicando - até mudarem o mundo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O Eleitor como Mercado e O Voto como Produto

As eleições desse ano têm tudo para ser um espetáculo. Por espetáculo, não entende-se necessariamente algo bom ou bonito. Talvez algo pensado para encher os olhos e, com algum esforço promocional, alguns corações. Nada que contribua para alguma melhora na política nacional ou na administração pública. Apenas a coroação da longa preparação dos marqueteiros profissionais para fazer exatamente aquilo que sabem: transformar a "festa da democracia" em uma mera ação de propaganda e marketing.

Não é de hoje que se empregam marqueteiros em campanhas eleitorais, aliás essa prática até já encheu. Mas virou uma ciência, e os candidatos parecem mais encantados do que nunca com ela. O negócio é segmentar o mercado - digo, o eleitor - e investir de forma proporcional ao peso de cada segmento, tentando estabelecer empatia com cada um. Em outras palavras, dizer o que cada um gosta de ouvir e prometer o que cada um gostaria de ter. E quando a gente acha que todo mundo já está tapado de nojo com a política e nem aguenta mais nada, eis que o povo nos surpreende e cai em toda essa conversa. Porque estão acostumados a ser tratados como segmento de mercado, e gostam disso sem nem saber.

A segmentação é livre. Vale gênero, faixa etária, etnia, religião, profissão - até mesmo a causa social de sua preferência, algo que deveria ser nobre demais para ser alvo de marketing eleitoral. Mas é tudo questão de criatividade. E é fácil. Um candidato que já está no poder, por exemplo, precisa de apenas dois neurônios para criar uma "Secretaria do Idoso", um "Gabinete de Políticas para o Jovem", a "Secretaria da Mulher" e por aí afora (e o candidato de oposição diz que ainda vai fazer muito mais: O "Escritório da Acessibilidade" e o "Gabinete da Bicicleta"). Não que algum desses grupos sociais tenha problemas que sejam resolvidos pela criação de burocracias estatais. Talvez alguns deles sequer tenham problemas que percebam como especificamente seus. Mas gera empatia, tipo, a sensação de que se lembram da gente e que se importam - pelo menos o suficiente para criar mais alguns cargos e tirar umas fotos.

Claro que os problemas que um governante eleito deveria tratar, prioritariamente, são aqueles que dizem respeito à coletividade e afetam a todos. Mas esses são mais difíceis e não geram empatia. Já grupos bem segmentados podem ser atendidos com marketing direcionado. Crie o "Dia do Profissional disso" ou o "Dia em Defesa daquilo", sai barato e não é nada difícil. Nada efetivo também, mas enfim, o que esperar de uma ação de marketing?

Na verdade, essa segmentação do mercado, digo, eleitorado, e das políticas públicas é algo de efeito hediondo, se gasta dinheiro, se rotula as pessoas em grupos sociais cada vez mais apartados, que vão competir entre si pelo dinheiro que se gasta e depois ainda se gasta mais dinheiro para fazer todo o marketing em cima do dinheiro que se gastou. E o produto final é a falta de recursos para tratar os reais problemas, e uma sociedade politicamente fragmentada, incapaz de analisar o quadro geral das coisas e de priorizar os interesses maiores acima dos menores.

Ora, uma sociedade - instrumentalizada por seu respectivo Estado - que seja capaz de priorizar e resolver os problemas mais essenciais, aqueles que acabam gerando os demais, produzirá em médio prazo melhorias e benefícios para todos os grupos sociais, sem precisar segmentá-los - talvez, até pelo contrário, aproximando-os em torno de objetivos comuns. Mas isso não é marketing, é administração pública de verdade, e o sistema político-partidário não é administração pública de verdade, é marketing.

Uma campanha eleitoral não deixa dúvidas de que marketing é o verdadeiro negócio e vocação dos políticos profissionais, e enquanto é mais fácil, barato e efetivo produzir esse marketing do que tratar problemas de verdade, é apenas nisso que essas pessoas concentram seu tempo e energia. Por incrível que pareça, ainda funciona. Já existe até a consciência da ineficiência do Estado e sua incapacidade, até falta de vontade, de tratar os grandes problemas. Mas o marketing ainda funciona. Por que? Porque gostamos de ser segmentados e rotulados, tratados como mercado, ouvir o que gostamos e sentirmo-nos lembrados. Gera empatia.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Negócio é Proibir

Recentemente, ganhou algum destaque a discussão sobre descriminalização, sobretudo do consumo de drogas. Enquanto para alguns o avanço (de um ponto de vista progressista) parece tímido demais para maiores debates, para muitos parece ainda uma questão especialmente polêmica essa de não criminalizar indivíduos por certos hábitos de consumo - não por possíveis consequências desse consumo ou algum prejuízo a terceiros, mas o mero consumo por si só. E me impressiona o aparente tamanho dessa parcela da população pró-criminalização. Em bom português, a favor da repressão, da proibição, do cerseamento da individualidade.



É certo que alguns hábitos individuais podem provocar ações prejudiciais a terceiros, sobretudo se alteram a consciência e o auto-controle. Se o indivíduo não sabe manter para si os efeitos de seus atos, deixa de ser uma questão individual para se tornar coletiva, e passível das devidas sanções sempre que causar danos a terceiros ou à coletividade. Até aí nenhuma dúvida. O interessante é centrar toda preocupação na questão individual e antecipar a condenação ao indivíduo por atos que ele poderia ter praticado, mesmo que, na verdade, não o tenha.

É uma prática discriminatória, pois os mais diversos hábitos e comportamentos são, de alguma forma, potencialmente ofensivos. Quem é mais perigoso, o motorista altamente estressado ou o consumidor moderado de álcool? A pessoa que é violenta ou a que usa maconha? O que deve ser proibido ou não são essencialmente convenções. Por regra, proíbe-se o que foge ao status quo e isso independe do potencial ofensivo das eventuais consequências.

Sendo, portanto, todos e cada um de nós passíveis de condenações e restrições, independente da individualidade de nossos atos, é interessante que a prática da proibição e da criminalização seduza uma maioria tão considerável. É uma prática extremamente ineficiente, em qualquer sentido, e isso precisa ser compreendido antes de mais nada. Cada um acaba por fazer o que quer, proibido ou não. Pegando o gancho do assunto em voga, consumo de drogas, quem quer consumir consome - a diferença é que em vez de adquirir no comércio adquire com o crime. E quem quer vender vende - mas em vez de tornar-se um comerciante torna-se um criminoso. A proibição não coíbe a prática, apenas a criminaliza.

Ainda nesse exemplo, é fantástico o volume de recursos empregados na repressão ao tráfico, humanos, financeiros e materiais. Sem falar na manutenção dos presídios e casas correcionais, superlotados principalmente graças à criminalização das drogas. Sendo o Estado um só, esses mesmos recursos deixam de ir para educação, saúde e inclusão social. Áreas que poderiam gerar algum resultado em longo prazo, ao contrário da ação policial, que enxuga o gelo. É mais econômico, eficiente e sustentável tratar a dependência como problema de saúde, tratando o tráfico como qualquer outro comércio, passível de alguma regulação e fiscalização quanto a abusos.

A criminalização das coisas gera emprego e renda, essa é a verdade. Muitos são os negócios que se criam e prosperam na chamada guerra às drogas. Como o consumo, de qualquer forma, acontece, e o gasto do Estado também, o dinheiro rola - muitas vezes em mãos pelas quais, de outra forma, não rolaria. Todo um conjunto de interesses se levanta a favor da manutenção da proibição e da repressão, e não são interesses limpos.

Contudo, esses interesses só se sustentam em toda a ineficiência que impõem à sociedade porque encontram suporte nessa mesma sociedade. A fonte desse mal é a curiosa tendência do ser humano em julgar o próximo, para depois reprovar e finalmente recriminar. A aceitação a restrições de liberdade parece ter duas explicações: a vaga noção de que quem é diferente é errado, e potencialmente perigoso ao estilo de vida "correto"; e a idéia de que essas restrições pesarão mais para os outros, pois estão errados, e são necessárias para proteger os "corretos". Mais curioso ainda é observar que essas restrições comprometem todos os estilos de vida, direta ou indiretamente.

É uma história velha e mofada, mas pelo jeito ainda atual. E, verdade seja dita, é a trilha do fascismo. Cada passo na direção da proibição e da repressão de Estado é um passo na direção de um Estado e de uma sociedade fascistas. Não é necessário dar muitos passos nesse caminho, cada passo já é ruim. E o sentido oposto não parece mal. Seria a coexistência, a aceitação das diferenças, a concentração de esforços e recursos na real solução ou tratamento dos problemas sociais - e sim, eventualmente na criminalização e combate daquilo que for realmente ofensivo.

A prática da coexistência requer partilha de espaço e de liberdade entre os diferentes indivíduos, geralmente restando menos espaço para cada um do que se gostaria, já que são muitos e muito diferentes esses indivíduos. Mas a aceitação de soluções repressivas também acaba restringindo esse espaço, não por redistribuí-lo mas por eliminá-lo. Péssima solução. Pior ainda por gerar um círculo vicioso: quanto mais as pessoas são perseguidas ou reprimidas, mais violentamente elas respondem à sociedade, dando mais motivo para a causa da repressão.

Por fim, às opiniões mais ferozes, fique claro que não se trata, aqui, de "defender bandido", mas de preservar o espaço e liberdade do outro na mesma medida que eu espero que se preserve o meu, e de não se ter tanta pressa em recriminar e perseguir qualquer coisa, guardando essa energia e recurso para os verdadeiros bandidos - e, principalmente, para reais soluções aos verdadeiros problemas sociais.