Para entender melhor as condições em que se torna possível a
realidade abaixo descrita, recomendo dar um pulinho em A Terceira revolução industrial - mas depois volta aí!
Em uma sociedade em que o principal fator de produção é o
conhecimento, a capacidade produtiva está dentro de cada indivíduo.
Mas, pela lógica desse fator de produção, a geração de valor se dá
apenas a partir da interação desses indivíduos. Ainda, diferentemente de
qualquer outro fator já utilizado, o conhecimento não se consome com o
uso, mas, pelo contrário, se multiplica a cada interação. Ou seja, o
acesso ao principal fator de produção da atualidade não se dá pela
concorrência, mas pela cooperação, e sua conservação não se dá pelo
monopólio, mas pela disseminação. A economia que se estrutura sobre esse
fator de produção, consequentemente, não é competitiva, mas
colaborativa, e o que crianças de maternal entendem naturalmente ainda é
um desafio para o raciocínio de boa parte do mundo.
As características inerentes ao fator conhecimento, da
apropriação individual e da disseminação aberta e irrestrita - não é
mais viável qualquer regulação efetiva sobre isso - alteram o foco dos
processos produtivos, da grande organização para a rede informal de
indivíduos, e alteram também, como consequência, a lógica que estabelece
os objetivos desses processos. Enquanto organizações econômicas visam o
lucro financeiro, e organizações outras visam acúmulo de capital
político, e todas visam sua própria permanência no tempo, indivíduos têm
as mais diversas motivações: ganho financeiro e capital político
inclusive, mas também autodesenvolvimento, realização pessoal, espírito
de comunidade, engajamento social e outros. Da mesma forma que cada
indivíduo tem um diferente conjunto de conhecimentos, também tem
diferentes necessidades e motivações.
A partir dessa constatação, se torna interessante um
ambiente de trocas constantes, em duas vias, conforme a máxima "de cada
um, suas capacidades; para cada um, suas necessidades". Não chega a ser
um escambo, pois a rede que se forma é plenamente conectada. Cada
indivíduo conectado joga para dentro da rede sua contribuição (de cada
um, suas capacidades) e retira de lá o que lhe interessa (para cada um,
suas necessidades). Lembrando que nem lá nem cá ocorre qualquer
subtração, mas multiplicação.
Quando o fator a ser considerado é o conhecimento, não há
consumo, apenas produção, de modo que não há tendência de escassez, mas
sim de abundância, o que torna sem efeito quaisquer práticas de reserva
de mercado, concorrência ou monopólio. A formação de uma rede de acesso
irrestrito baseada em colaboração é natural. Não havendo restrições,
essa rede tende a crescer em nível global. Extrapolando, imaginemos
todos os indivíduos do mundo conectados uns aos outros pelos recursos de
telecomunicações, contribuindo com o que têm e aproveitando do que
precisam. Organizações econômicas ou políticas perdem muito de sua
função nesse cenário - senão toda. Os indivíduos tornam-se capazes de
agruparem-se segundo cada um de seus interesses e necessidades, pelo
tempo em que estes durarem, e em grupos maiores ou menores conforme a
importância de cada assunto para o conjunto da sociedade.
Não é necessário forçar o indivíduo à colaboração (o que
aliás nem faz sentido) ou mesmo ter muita fé na pré-disposição em
colaborar. A própria interação já estabelece a colaboração, e à medida
que o indivíduo busca suas necessidades na rede ele automaticamente
colabora para o enriquecimento da rede. Lembremos que o fator aqui é o
conhecimento, e até uma pergunta ou crítica contribui para seu
crescimento, e o simples acesso, ainda que calado, contribui para lhe
atribuir valor. De qualquer forma, o mais natural e esperado é que cada
um, enquanto tenha liberdade irrestrita para atuar onde quiser e como
puder, demonstre interesse em participar daquilo que acontece ao seu
redor e modifica o seu ambiente.
Ao menos em um primeiro momento, haverá dificuldades com
alguns perfis de colaboradores. Como bem sabe quem já trabalhou em
ambientes de trabalho mais horizontais, há por exemplo o falso
interessado e o incompetente motivado. O incompetente motivado quer
muito participar, se envolver, chamar para si, mas simplesmente não tem
as condições necessárias àquele trabalho. Difícil dar esse feedback para
alguém tão motivado. Com acesso irrestrito ao conhecimento e acúmulo de
experiência em trabalho colaborativo, isso deve ter cura. Já o falso
interessado não quer realmente contribuir ou participar, mas apenas
fazer parecer, dizer que faz e acontece, motivado por ego inflado
talvez. Em uma rede irrestrita onde as pessoas se movimentam livremente
conforme seus interesses e são avaliadas por seus pares pela sua
interação efetiva, isso perde o sentido.
O capital colaborativo - o conhecimento que o indivíduo
acumula ao mesmo tempo em que compartilha - e a organização do trabalho
em rede libertam as pessoas de trabalhos enfadonhos, indesejados ou
inadequados. Cada um se vê livre para encontrar aquilo que gosta e sabe
fazer, tornando-se capaz de desenvolver todo o seu potencial e
contribuir de forma efetiva para a sociedade. Uma economia que se
estrutura sobre esse tipo de trabalho há de ser muito mais produtiva e
eficiente, consequentemente também sustentável. Mais do que isso,
permite a distribuição da riqueza gerada, que tende a ser abundante. Se o
principal fator de produção é abundante, tudo o mais tende a ser.
No âmbito político e social, o caminho da eficiência é um
pouco mais complexo. Aqui, as pessoas devem colaborar não somente na
consecução das atividades necessárias, mas também nos objetivos
propostos, que afinal são coletivos. Decisões políticas afetam a toda
uma comunidade e, para ter a colaboração de todos, precisam atender aos
anseios de todos - ou ao menos não ferir os anseios de ninguém. Melhor
do que a simples democracia - ditadura da maioria sobre a minoria - é a
construção do consenso, algo que só é possível em um ambiente
colaborativo, e também é o mais indicado. A partir de diferentes
soluções possíveis a uma questão, se constrói uma nova, maior e melhor
que as anteriores, e que resolve a questão para todos os envolvidos.
A colaboração em larga escala, para fins sociais, políticos e
econômicos, advém da prática e da experiência. Hoje pode parecer
utópico que grandes grupos de pessoas se entendam e atinjam alguma
harmonia ou consenso para as mais diversas questões, mas a estranheza
que a idéia causa em muitos deve-se à pouca prática de nossa sociedade
no assunto. À medida que as pessoas sintam-se envolvidas nos processos
sócio-econômicos e corresponsáveis pelas alterações em seu ambiente,
buscarão desenvolver as habilidades básicas de colaboração, cocriação e
construção de consenso - no fundo, naturais a um ser social, mas que
desaprendemos ao longo da vida e acabamos tendo que reaprender.
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