quarta-feira, 25 de abril de 2012

Orbis et Urbe

Atualmente, não-sei-quantos porcento da população mundial vive em cidades. O número varia conforme a fonte, mas é sempre alto, tipo muitos porcento. E é praticamente total se considerarmos a relativa urbanização de muitas comunidades rurais - notadamente as mais populosas. De fato, o mundo hoje é uma grande rede de cidades, de diferentes tamanhos, mas todas interligadas e cada vez mais próximas.
Aliás, a cidade é o ideal, o modelo ótimo de organização social humana. Uma comunidade suficientemente pequena para compartilhar o mesmo espaço físico mas suficientemente grande para reunir os diversos talentos e aptidões necessários aos seres humanos; um centro de especialização e combinação dos ofícios e serviços que desenvolvem uma sociedade, onde o produto das trocas e interações humanas é mais que proporcional ao esforço empregado na infra-estrutura do meio físico. Insetos têm seus formigueiros e colméias, humanos têm cidades - que, a bem da verdade, são muito mais arejadas e até mais limpas, mesmo as sujas.
Toda evolução humana foi, de certa forma, uma libertação de ambientes isolados de produção - fazendas, castelos, minas, recentemente fábricas - rumo à concentração em ambientes de convívio e de intercâmbio cultural - o que há de ser a própria finalidade de um ser que se diz social. Contudo, nem sempre esses espaços de convívio humano evoluem no compasso do mundo - talvez quase nunca.
À medida que a população se multiplicou e o mundo se espalhou, os problemas urbanos se acumularam. As cidades deram lugar a cidades maiores, que deram lugar a cidades-estado, ligas de cidades, até ceder lugar aos grandes Estados, e a partir daí a cidade perdeu sua importância política até culminar na recente tendência de transnacionalização dos Estados. É como uma desistência: ficou muito difícil botar ordem na coisa toda, então atribua-se esse papel a corporações - inicialmente públicas, mas também privadas. Ora, se vivemos na cidade, as decisões que moldam nossa vida deveriam estar tão próximas quanto possível das cidades.
Há 200 anos, os problemas maiores eram relativos a higiene e saúde, hoje são a mobilidade urbana e a habitação. A má distribuição de renda, emprego, oportunidades e qualidade de vida leva a uma ainda pior distribuição populacional: enquanto há desertos populacionais pelo interior, incham-se as periferias das grandes cidades, com a consequente precarização no planejamento urbano, marginalização de comunidades inteiras e a exclusão social.
Se enxergados de dentro de uma típica cidade moderna, os grandes problemas seriam o sistema de saúde, a mobilidade, a acessibilidade, mas quem define problemas é o abstrato Estado, que só enxerga a economia internacional e os níveis de consumo. Assim, seguimos, por exemplo, incentivando o uso do automóvel, algo já inviável nas grandes cidades. Seguimos produzindo e acumulando lixo, com toda sua dificuldade de descarte ou reaproveitamento, gastando água, utilizando fontes de energia poluentes - e por aí vai.
A cidade moderna está claramente descolada do caminho de resolução de seus problemas, e não poderia ser diferente, já que as decisões são tomadas em outras instâncias, com outras preocupações. O necessário, antes de mais nada, é retomar o protagonismo do cenário local na vida social, para então voltar a organização social a sua própria razão de existir: as pessoas. Reorganizar o espaço urbano com vista a seu uso por parte das pessoas, de preferência estimulando a interação e o convívio.
Com toda tecnologia atual em telecomunicações, dentre outras, é perfeitamente possível viver localmente pensando globalmente. Cada comunidade é capaz de aprender as boas práticas de qualquer outra ao redor do mundo, e copiá-las ou adaptá-las conforme sua própria conveniência. Essa seria uma verdadeira rede mundial de comunidades sustentáveis, capaz de redistribuir serviços e oportunidades e de intercambiar idéias e conhecimento para a resolução de problemas essencialmente práticos - restabelecendo assim a excelência da organização urbana enquanto modelo de organização social.

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