quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ruas Esquecidas - O Abandono do Espaço Urbano

Quem já não ouviu uma pessoa mais velha dizendo "no meu tempo, brincávamos no meio da rua" ou "havia uma pracinha no lugar desse shopping center" ou ainda "saíamos a pé de noite porque era seguro"... Sim, há muito de saudosismo aí, é natural do ser humano. Eu mesmo não sou tão velho e fazia várias coisas "no meu tempo". Mas há uma constante nessas histórias de antigamente que podemos comprovar ainda hoje: a relação das pessoas com seu próprio meio físico está esfriando. Estamos cada vez mais distantes do próprio espaço em que vivemos.


"Antigamente, as ruas eram mais bonitas e agradáveis..."

As ruas são apenas meios de passagem, e quanto mais rápido se passar por elas melhor. Praças e recantos verdes são zonas de esquecimento, nem sequer as vemos quando passamos. A maioria dos espaços públicos de uma típica cidade grande são como "não-lugares", não existem de verdade, não são usados, não são lembrados. Abandonamos os espaços de uso comum para viver em espaços privados: a casa, o condomínio, o escritório, o shopping center - e o próprio carro, que é a maneira de ir de um espaço privado para outro sem deixar de utilizar uma espécie de espaço privado.

As razões dessa realidade não são de todo ruins. A tecnologia, por exemplo, nos permite fazer muito sem precisar sair da cama. A qualificação do trabalho leva mais gente para dentro de escritórios ou laboratórios. A melhoria do poder aquisitivo permite que mais gente tenha carro, computador, uma boa casa.

Mas será que não estamos perdendo pelo caminho algum tipo de essência? Não deterioramos as relações humanas quando substituímos o contato direto pelo remoto? Tudo aquilo que chamamos "progresso" e "desenvolvimento", precisaria mesmo cobrar o preço que cobra da natureza e do próprio habitat de convívio humano? Quando aplaudimos o projeto de um novo shopping ou de um conjunto de espigões sobre uma área verde - de preferência junto a um lago ou rio, para valorizar a vista, apesar de que shoppings não têm vista -, chamamos de progresso e tachamos de atrasados os que são contra - ecochatos, ecobobos. E se a noção de progresso dos outros for diferente da nossa? O mundo é de todos. Estamos respeitando a diversidade ou simplesmente patrolando o espaço dos outros à base de concreto?


Em raros momentos de contato com seu meio, as pessoas lembram o quanto isso é importante. Depois voltam a esquecer.
Essa tendência de enclausurar-se - de casa pro trabalho e vice-versa, de preferência dentro de um carro durante o deslocamento - já foi chamada "vida no casulo". Não me parece algo muito natural para um ser humano. Não é nem para a borboleta, depois que nasce. De alguma forma o ser humano encantou-se com os confortos e facilidades modernos e passou a achar todo o resto antiquado, ao invés de compatibilizar as coisas. Pois as mesmas facilidades que levam as pessoas a viver em casulos serviriam para que as pessoas trabalhassem menos, se ocupassem menos com deslocamentos, cuidados com casa ou carro, deixando mais tempo para aquilo que realmente significa na vida - passear, conviver, curtir, festejar.

Algum urbanista já disse que uma rua movimentada é uma rua segura. Um espaço que é visto é cuidado, naturalmente. As pessoas o percebem e se importam com ele. No Brasil, percebemos clara relação entre o abandono dos espaços e o aumento da sensação de insegurança. E logo forma-se um círculo vicioso, e passamos a achar que é a insegurança que nos empurra para dentro de casa. Mas ruas movimentadas não são inseguras. Há barulho e agitação, alguns não gostam, mas não há ameaça à integridade física - elemento gerador da sensação de insegurança.

Algum outro também disse que um espaço bem cuidado inspira as pessoas a preservá-lo em vez de depredá-lo. Aqui temos outro círculo vicioso. Preferimos pensar que não vale a pena cuidar dos espaços porque serão depredados, e aí eles ficam cada vez mais degradados e convidativos às más intenções. Como não apreciamos os espaços que vemos - porque não são bem cuidados -, não os utilizamos e passamos a ignorá-los. Tornam-se "não-lugares", cantos obscuros no meio da cidade.

Quando tomadas pelas pessoas, as ruas ganham vida e tornam-se espaços de convivência.
Tem ainda mais alguém - não sou de guardar nomes - que diz que a boa convivência humana se dá pelo exercício. Quanto mais exercitamos o convívio com nossos semelhantes, mais os compreendemos, tornando-nos mais tolerantes com as diferenças e capazes de nos comunicar com os demais. Se isso funciona em ambos os sentidos, também seremos melhor compreendidos e tolerados em nossas próprias diferenças. Novamente, um círculo vicioso: quanto menos as pessoas convivem, mais intolerantes e distantes elas ficam, tornando ainda mais difícil a convivência. Vemos isso hoje, grupos que se odeiam e disputam interesses por causa de diferenças muitas vezes mínimas.

Chegamos a um ponto hoje em que o desenvolvimento das grandes cidades passa necessariamente pela retomada do espaço urbano, seja para cuidar melhor dele, seja para nos aproximar de nossos semelhantes, para trocar idéias, impressões, unir esforços na construção de novas soluções. Na base da ocupação civil, enfrentar a insegurança urbana, a degradação e abandono dos espaços, a intolerância e a precariedade dos serviços públicos. Dentro de nossos casulos temos todas as ferramentas para iniciar esse processo, mas ele só será efetivo quando se transformar em ação física.

Afinal, quem não sente falta de melhores opções de locais para curtir um pôr-do-sol junto ao rio, tomar uma cerveja com amigos em uma mesa na calçada, passear de bicicleta por um parque florido, ir a pé até um cinema de bairro e voltar para casa tomando um sorvete... o shopping center lhe parece realmente uma alternativa à altura?

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