terça-feira, 4 de setembro de 2012

Cidades Contemporâneas - Desatando o Nó da Mobilidade

Esse post é uma continuação direta do anterior, quando tentei estabelecer relação entre o problema da mobilidade urbana e o papel central do automóvel no transporte urbano e concluí que, para se construir novas soluções, é necessário abandonar esse velho modelo. Agora, pretendo examinar as alternativas.
Metrô de Barcelona: sistemas de transporte sofisticados para cidades modernas.

A engenharia de trâfego tem papel importante para gerar uma infraestrutura viária adequada e bem planejada, mas depois que a cidade já está formada e povoada, o essencial é racionalizar o espaço consumido pelo trânsito, para não tirá-lo das pessoas - personagens que deveriam sempre ter a preferência dentro de uma cidade. Vejo duas maneiras de racionalizar espaço: favorecer veículos menores e mais leves; ou favorecer veículos com maior capacidade de passageiros. O automóvel particular, geralmente grande demais e com passageiros de menos, não se enquadra em nenhum dos casos.

O transporte urbano será sempre multimodal, e nem precisa ser diferente. Não é necessário abolir um meio de transporte em favor de outro, apenas distribuir o espaço e a prioridade conforme o retorno social de cada um. Carros continuarão existindo e sendo usados - não se preocupe com isso. Mas serão usados cada vez menos, por menos pessoas e em menos situações. Ou seja, se você realmente acha que nunca terá como abandonar seu carro, pelo menos não terá que dividir o trânsito com tantos outros carros. Bom, né?

O melhor exemplo de veículo menor e mais leve é a popular bicicleta. A diferença de dimensão entre uma ciclovia (mesmo uma das boas) e uma avenida (mesmo uma das ruins) dispensa comentários. A interação social que ela promove, as vantagens para a saúde física e mental, a facilidade para aquisição e a redução de poluição são outros aspectos positivos facilmente observáveis. Não tenho dúvidas de que uma cidade moderna que queira oferecer qualidade de vida precisa ter uma boa rede cicloviária. Contudo, bicicletas não servem para todos, nem para qualquer situação. Além do que, se todos usassem, a demanda por espaço também acabaria crescendo. Ou seja, não é essa a solução final.

Transportes coletivos de qualidade redefinem o cenário urbano - para melhor.

Para multiplicar o espaço urbano disponível, o jeito é fazer com que muitas pessoas acessem um mesmo transporte, ou seja, transporte de massa. Um transporte que sirva à grande maioria das pessoas na maior parte do tempo é o que viabiliza que outros meios sejam utilizados, de forma complementar ou alternativa, sem que grandes espaços sejam consumidos com novas vias. Pelo seu retorno social e papel estratégico, o transporte de massa deveria ser priorizado sempre, e muito acima de todos os outros, assim como também deveria ser altamente valorizado pelas pessoas.

Não importa muito
se esse transporte será sobre rodas ou trilhos, subterrâneo ou de superfície - geralmente será um misto de tudo. O que importa é que ele seja visto como bom e funcional pelos potenciais usuários. No Brasil, a visão geral é de que transporte coletivo é ruim, desconfortável, demorado e caro demais para a qualidade que oferece. Não precisa ser assim. Tecnicamente, é possível oferecer um bom nível de conforto sem grande custo, e nossos sistemas de transporte poderiam ser organizados de forma muito mais funcional, consumindo menos tempo de deslocamento em média e até reduzindo o custo.

Uma rede de linhas bem distribuídas no mapa da cidade e interconectadas será sempre mais eficiente que um monte de linhas soltas e sobrepostas. Não é inteligente, por exemplo, cada bairro ter sua linha até o centro em uma cidade com mais de cem bairros. Quem já utilizou uma rede de metrô sabe que não é essencial ir da origem até o destino com uma única linha. Trocar de linha no meio da viagem é perfeitamente aceitável se essa troca for rápida e tranquila. Imaginando que há ao menos uma linha na origem e outra no destino e imaginando que todas as linhas se conectam, uma combinação de duas linhas é suficiente para fazer qualquer trajeto dentro da rede. Ao invés de mais de cem linhas diferentes, haveria poucas dezenas, apenas o suficiente para cobrir o mapa da cidade. Redistribuída a frota de veículos em menos linhas, seriam mais veículos para cada uma, reduzindo portanto o tempo de espera - o que compensa com sobra o tempo perdido na troca de transporte.
Uma hipotética rede de metrô em Porto Alegre (fonte aqui). Utopia? E se substituirmos algumas linhas por trams ou BRT's, mantendo o traçado e o princípio de integração e interconectividade?

Seguindo a filosofia das grandes redes de metrô - que pode ser extendida para transportes de superfície, por que não? -, cada linha não se preocupa em ligar dois pontos em especial, mas sim em cortar a cidade em algum sentido, de modo que seja abrangente e que corte as demais linhas em algum ponto mais ou menos central, permitindo as conexões. Não é essencial, mas é importante que esses trajetos sejam servidos por vias exclusivas, o que aproxima o transporte de superfície da funcionalidade de um metrô, principalmente em pontos onde outros meios de transporte disputam o espaço - a preferência deve ser sempre daquele que leva mais pessoas, ou seja, o coletivo.

Esse rede deve ter um número tal de linhas e estações que permita percorrer toda a cidade - tanto bairros centrais como periferias -, sem um número muito grande de estações por linha - o que tornaria a linha mais lenta - mas garantindo que haja sempre uma estação próxima de cada ponto da cidade - à distância de uma caminhada curta. Havendo sempre uma estação próxima, sendo o tempo de espera curto e o tempo de deslocamento também - mesmo quando há troca no meio do trajeto - e sendo o transporte confortável e barato, pode-se imaginar que a grande maioria optará pelo transporte coletivo, liberando grande espaço no trânsito da cidade. É tecnicamente viável, há exemplos pelo mundo afora - infelizmente, nenhum no Brasil.

Uma cidade baseada em tranporte de massa tende a aproveitar seu espaço urbano de forma mais harmônica.

Um ótimo uso para esse espaço que será liberado são as ciclovias. Vias peatonais (para pedestres) também são importantes em áreas mais centrais, de lazer ou de grande circulação de pessoas e serviços. Se ciclistas e pedestres forem devidamente conectados a estações da rede de transporte coletivo, aí teremos a situação ideal. Estamos falando de uma cidade mais humana, acolhedora, agradável, mas também estamos falando de menos poluição, mais acessibilidade, mais circulação (que gera mais segurança nas ruas) e até mesmo uma maior atividade econômica, graças a um maior acesso a comércio, serviços e entretenimento. Sem falar no maior contato humano diário, fundamental para a manutenção do tecido social que governa e desenvolve uma cidade.

A implementação dessa rede de transporte não é tão cara ou demorada quanto se diz. Trilhos e linhas subterrâneas são importantes, mas não são esseciais para essa filosofia: transporte integrador, conectado, bem distribuído e de circulação frequente. O que falta não é dinheiro nem tempo. Nem idéias, que podem ser copiadas e adaptadas. Falta a noção de prioridade e de estratégia de parte da própria sociedade, ainda presa à idéia de que o importante é ter avenidas duplicadas para usar seu carro. Mas velhos problemas exigem novas soluções.

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