terça-feira, 14 de agosto de 2012

O Importante é Competir - Ou Não

Certo, em tempos de olimpíada, um artigo oportunista, mas também oportuno - e vice-versa. E há que se considerar o fenômeno de que tais questões só são lembradas e discutidas no Brasil a cada quatro anos. Então, antes que elas simplesmente deixem de existir pelos próximos tempos, vamos a elas...
Medalha olímpica: aparentemente, símbolo e objetivo do bom investimento de um país em esporte.

Não, eu não cobro do Estado mais verbas para o esporte. E não, eu não me emociono com a história triste de nove em cada dez atletas brasileiros, que sofrem todas as agruras que a vida pode oferecer para, embuídos de um patriotismo a Galvão Bueno, levar o nome de nosso país à glória esportiva. Certo, entendo os valores do esporte e sua importância cultural para uma sociedade. Entendo o lado positivo de um evento como as Olimpíadas. E até entendo esse espírito de competição que se desenvolveu entre os países - só não concordo nem apóio.

Não sei desde quando existe a idéia de um quadro de medalhas, ranqueando os países entre si por número de medalhas, mas me parece algo inútil, infeliz e, quando se pensa a respeito, absurdo. Medalhas de ouro, prata ou bronze são meras convenções para classificar os primeiros colocados em uma competição, o que não significa que medalhas conquistadas no futebol, atletismo, levantamento de peso, tiro ao alvo e esgrima sejam de alguma forma equivalentes e passíveis de uma contabilidade. É como somar maçãs com bananas. Aliás, na grande maioria das modalidades - e principalmente naquelas tradicionalmente "olímpicas" - prevalece o talento e a preparação do indivíduo, e pouco importa onde esse indivíduo nasceu. Contabilizar uma vitória individual como simplesmente mais uma medalha no quadro de um país desmerece a conquista do atleta, e que pertence a ele antes de mais nada.
Competição entre países: alguns no amor e na vontade, outros superequipados e supercondicionados.
A nacionalização da competição esportiva pode ser entendida no interesse dos governos e regimes de fazer autopropaganda e de se promoverem de forma barata. Afinal, ninguém há de crer que vitórias esportivas efetivamente melhorem a vida de uma sociedade ou resolvam problemas estruturais de um país. Mas a estratégia funciona. As pessoas ficam felizes, se sentem mais patrióticas, realizadas. Mesmo em caso de derrota, ainda resta como recurso trabalhar o sentimento de esperança no futuro próximo, de preferência com mais trabalho e empenho para que o país atinja suas metas: títulos e medalhas.

Daí se explica esse raciocínio do investimento público, não na prática esportiva ou na sua promoção, mas na competição em si e em seus resultados - e na sua promoção. Não vejo nenhuma outra forma justificável de investimento público em esporte que não seja o acesso direto das pessoas - principalmente jovens e crianças e mais principalmente aqueles mais excluídos - à infraestrutura necessária para a prática esportiva. Produzir medalhistas olímpicos pode até promover a prática do esporte entre a sociedade, mas se não houver efetivo acesso aos equipamentos necessários, a promoção perde o sentido. Contudo, quando se fala em investimento público em esporte, se pensa justamente no contrário, no investimento direto em produção de títulos e resultados, independente do efeito prático que isso traga para a vida da sociedade - afinal, uma medalha em tiro de carabina é igual a uma medalha em natação ou atletismo, o que importa para o país é o número.

Analisando os resultados numéricos, acho curioso imaginar como a vida das pessoas no Cazaquistão, por exemplo, pode ter melhorado depois que o país resolveu investir pesado em uma equipe de levantamento de peso - ou sei lá que modalidade - e ganhou uma boa meia dúzia de medalhas. E se críassemos, no Brasil, o Jiu-jitsu olímpico, com umas dez categorias por peso, masculino e feminino? Vinte medalhas de ouro. O que mais mudaria no país além do patriotismo inflado? Pois bem, e se investíssemos mais nas modalidades já existentes, cujos membros tanto reclamam de falta de apoio, com patrocínios, bolsas e o que mais quiserem, o que mudaria no país? Apenas a idéia de que sim, o governo investe e cuida do esporte, e está fazendo sua parte.
Os bons resultados no esporte são importantes para muita gente em nossa sociedade.
E esse uso institucional do esporte vai exatamente contra a parte boa do esporte. O esporte de competição nem sequer é saudável - primeiro valor do esporte -, já que em nome do resultado se sacrificam até as articulações do corpo. Aliás, boa parte dos grandes patrocinadores oferece produtos que podem ser tudo, menos saudáveis. E boa parte das grandes potências olímpicas tem regimes que dificilmente praticam uma boa inclusão ou justiça social. Mas são altamente favorecidos pela promoção dos resultados.

Pior ainda é não poder falar mal desse assunto - tipo o que estou fazendo agora, mas eu sou um antipático -, já que pega muito mal ser contra eventos esportivos, ser contra nossos atletas, tão esforçados e carentes de apoio. Mais ainda, ser contra nosso país, representado basicamente por chuteiras, luvas de boxe e afins. Mas se toda essa institucionalização do esporte vai exatamente contra os valores do próprio esporte, ser contra isso é ser a favor do esporte, certo? E em tempos que se critica tanto os gastos públicos em estádios e arenas para a copa, por que defender o gasto público em medalhistas e resultados? Para mim, dá no mesmo.

Aliás, quando um atleta "sem apoio" vence representantes de potências esportivas, injetados de dinheiro e cercados de megaestruturas de preparação e condicionamento, antes de pensar que esse atleta vencedor mereceria apoio (seja de Estado, seja de patrocinadores), penso é que os outros que não deveriam ter. Afinal, esporte pelo esporte, não pelo resultado.

2 comentários:

  1. Gustavo, PARABÉNS pelo blog! Ideias e fundamentos fantásticos. Teus textos são uma "ilha" de lucidez e brilhantismo em meio ao bovino pensamento dominante. Conheci o blog somente agora, mas já li boa parte dos posts. Passo a ser um assíduo leitor. Um abraço, Tiago.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Tiago. Os leitores são poucos, mas feedbacks como esse fazem o trabalho valer a pena!

      Grande abraço!

      Excluir